Sinopse

Ela está perdida em algum lugar, engavetando cartas e sonhos para quando o dia chegar. Nos limites do horizonte, porém, encontra outra como ela, igualmente perdida, e se apaixona. Tudo que acontece naquela casa da praia então, seja apenas um sonho ou a vida, é a revelação do sentimento esquecido entre cartas tristes engolidas pelo oceano, um sentimento que mesmo afogado em lágrimas salgadas, como a água do mar, é belo.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Algo no horizonte

Quando o sol nasceu, despertei de um sonho. Nele, eu estava no fundo do oceano. Era bom lá, era quieto e escuro, azul escuro. Escrevi outra carta, essa era para o mar. Falava sobre despedidas. Deixei-a na beira da praia, na areia úmida que as ondas banhavam de segundos em segundos. Esperei até que o papel fosse puxado mar adentro, para longe. As belas palavras que havia escrevido jamais seriam lidas.
Caminhei para longe da casa, até onde o vento me levasse. Observei o céu com poucas nuvens, e não deixava de me encantar com o som das ondas. Aquele lugar era realmente maravilhoso, e era só meu.

Na areia, no limite do horizonte, pensei ter visto uma figura, um pontinho preto pequeno como uma formiga. Distrai-me em seguida, olhando para os lados, mas a curiosidade me fez procurar por ele novamente. Depois de vários minutos, aquele pontinho ainda estava lá.
Preocupei-me. Não deveria haver ninguém por perto, não aqui. Caminhei mais rápido, com olhar fixo na formiga que crescia cada vez mais. Certamente, já consegue me ver, do mesmo tamanho que a vejo agora, sem conhecer meu rosto, da mesma forma que desconheço o seu. Restava-me esperar.
Cada passo parecia ser pequeno demais. O tempo passou e comecei a me irritar. Não gostava de ansiedade, nem de curiosidade.
Finalmente, depois de vários minutos, a formiga tomou forma, e para meu temor, era mesmo uma pessoa.
Mais alguns minutos, para perceber que era uma garota.
Os passos foram tomando um ritmo menor à medida que já era possível perceber detalhes de corpo alheio, enquanto ambos os olhares curiosos se estudavam. Eu não sabia o que fazer com as mãos.
Ela tinha cabelos escuros e pele morena, um corpo sinuoso e belo. Seu olhar era de diversão.
- Como encontrou esse lugar? - perguntei.
- Estava apenas caminhando. E você, como o encontrou?
- Eu moro aqui.
- Isso não responde a minha pergunta... - sorriu.
Acho que sorri também.
- Mora sozinha? - perguntou-me.
- Sim, claro.
- Claro? - confundiu-se. - Não gosta de companhia?
- Não sei. É apenas diferente.
Estávamos paradas à três passos de distância uma da outra.
- Se importa se eu acompanhar você?
- Não, não me importo. De onde você é?
- Não sei, estou tentando descobrir. Você?
- Eu sou daqui.

**

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Início

A casa da praia não era apenas minha casa, ou meu lar. Era meu refúgio. Eu poderia ficar ali na mais forte tempestade, no dia mais frio, que ficaria bem. Não era apenas um lar físico, era na verdade, completamente emocional. Ali vivia minha mente e ali, ela se escondia dos monstros. Ali, eu me escondia.
O vento soprava preguiçosamente meus cabelos para frente e para trás. Estava bom ficar na beira da praia naquela tarde, o sol já praticamente escondido no horizonte, deixando apenas longos raios alaranjados cruzarem os céus, formando um contorno vermelho nas nuvens, como numa pintura. O constante som das ondas quebrando me acalmava. Por isso escolhi esse lugar, não havia no mundo um lugar mais perfeito.
Sangrava meu coração de vez em quando, para o silêncio, para as coisas inanimadas. Elas ouviam pacientemente. Fazia poesias com o que tinha. As cartas e papéis eu guardava nas gavetas, deixava ali para serem esquecidas. Meu sonho era que um dia, muito depois da vida ter se esvaído de mim, alguém encontrasse essa casinha escondida e lesse todas as cartas. Não sabia o que pensariam, nem esperava causar reação alguma, mas era um sonho. O de que toda uma vida esquecida, devidamente descrita, fosse então descoberta. Mas não haveria nada para mudar ou tentar mudar, pois ela já teria encontrado seu fim. A beleza e a magia da dúvida. Teria sido diferente, caso alguém me encontrasse? Teria, mas não importa, não irá acontecer.
Terminei de escrever uma carta, essa, para o mar. Disse-lhe que o admirava, gostava do som que fazia e de como nunca se aquietava. Elogiei sua cor esverdeada. Finalizei revelando que um dia, caminharia até onde fosse possível adentro dele, deixando que me consumisse e minha vida tirasse. Eu queria morrer no mar, lá, ninguém me encontraria. Queria morrer em águas profundas.
Na verdade, um sonho distante, já tão profundo e quase esquecido, quase irrelevante, era o ter uma última dança. Não era pela companhia, mas dançar por uma última vez seria ótimo. Porém, precisaria de música, e não sei fazer boa música. Mas era um sonho que ficava no canto.
A praia vazia, a casa vazia, eu, vazia. Mas era bom, ficar sozinha. Companhia era algo esquecido, algo que eu não sentia falta. Eu tinha companhia da noite e das estrelas, já estava bom.
Eu estava bem.